
ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E A ATUAÇÃO NOTARIAL
18 de julho de 2013
A ATA QUE NÃO DESATA
23 de julho de 2013 A vinculação existente entre acesso à justiça e atuação notarial acompanha a própria história do direito e pode ser justificada partindo-se da análise de acesso à justiça feita por Julia Mota, para quem a expressão é de difícil definição, pois deve abranger todos os meios a que se destina a um fim, tanto a reivindicação dos direitos dos cidadãos, quanto a solução de litígios sob os auspícios do Estado. Desta forma, o sistema deve proporcionar a todos e deve ainda produzir resultados justos.[1]
E acrescenta, fundamentada em Cappelletti:
O “acesso à justiça” não é mais tido apenas como o mero direito do cidadão de acesso ao Judiciário, pois de nada adianta permitir o seu acesso e não dar condições para que se obtenha uma sentença justa e um processo imparcial. Mauro Cappelletti informa que, provavelmente, o primeiro reconhecimento explícito do dever do Estado de assegurar igual acesso à justiça – pelo menos quando as pessoas estejam na Justiça –, foi com o Código Austríaco de 1895, que atribuiu ao juiz o papel ativo para equalizar as partes. Passados todos esses anos de evolução, em busca da melhor maneira de assegurar a justiça para todos, a tendência moderna está desenvolvendo o direito social como forma de acesso através dos direitos fundamentais de ação e defesa. Como afirma Mauro Cappelletti, o acesso à justiça é o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos –, de um sistema jurídico moderno e igualitário que deseja assegurar, e não apenas proclamar os direitos de todos.[2]
Pedro Manoel Abreu esclarece que os principais obstáculos a uma ordem jurídica justa estão ligados: à desigualdade socioeconômica, que por sua vez dificulta o acesso ao Direito e ao Judiciário além de tornar flagrante a desigualdade material entre as partes; à deficitária organização judiciária nos Estados, acarretando a morosidade processual, geradora de descrença; aos fatores sociais e culturais relacionados também com as desigualdades econômicas, que geram, entre outros efeitos, a desinformação da massa da população acerca de seus direitos; aos entraves políticos e técnicos, como a burocratização do Judiciário; aos entraves processuais, que reclamam instrumentos adequados e céleres e técnica processual que efetivamente realize direitos e solucione os conflitos, além de assistência jurídica integral, entre outros.[3]
E acrescenta:
Consoante Roberto Aguiar, o não-funcionamento de um poder ou serviço, sempre prejudica alguns e beneficia outros. Nessa perspectiva, a eficácia, às vezes, é sinônimo de prejuízo, e a competência pode levantar problemas anteriormente insuspeitados. Assim, a incompetência, a lentidão, o atraso podem se constituir em úteis instrumentos de exercício de poder, de manutenção de interesses e de manutenção de um entendimento discutível da norma posta. Logo, a crise operatória ou mesmo estrutural, para uns, é a eficácia de manutenção de situações, para outros.[4]
Além disso, pondera que a invasão do direito no mundo contemporâneo tem feito crescer a regulação da vida social, inclusive no que diz respeito a institutos de natureza estritamente privados, ocasionando a judicialização das relações sociais e fazendo com que o Poder Judiciário se comprometa cada dia mais com a análise dos novos direitos[5].
De acordo com Ada Pelegrini Grinover, a crise da Justiça, representada principalmente por sua inacessibilidade, morosidade e custo, põe imediatamente em realce o primeiro objetivo almejado pelo renascer da conciliação extrajudicial: a racionalização na distribuição da Justiça, com a subsequente desobstrução dos tribunais, pela atribuição da solução de certas controvérsias a instrumentos institucionalizados de conciliação, ainda que facultativos.[6] A informalização da Justiça significa acatar espaços jurisdicionais alternativos e desenvolver mecanismos consensuais de justiça em espaços comunitários.[7] Com essa informalização, cresce a desjuridificação, ou seja, a adesão a meios informais de solução de controvérsias.[8]
A pedra de toque de um novo modelo de administração da justiça é, assim, a consequente criação de um sistema integrado de resolução de litígios que assente na promoção do acesso ao direito pelos cidadãos e permita vencer as barreiras sociais, econômicas e culturais que obstem à sua resolução. Assim, o acesso à justiça deve ser entendido como o acesso à entidade (ou terceiro) que os litigantes considerem mais legítima e adequada para a resolução do seu litígio e defesa dos seus direitos. Ora, esse terceiro tanto pode ser o tribunal como qualquer instância que cumpra essa finalidade. A questão fundamental é que a terceira parte escolhida pelo cidadão para resolver o seu litígio não lhe seja imposta, mesmo que sutilmente, pelas estruturas sociais, mas corresponda, pelo contrário, ao meio mais acessível, próximo, rápido e eficiente de tutela dos seus direitos.[9]
Pela desjuridificação e informalização é possível a solução de conflitos com desapego da fórmula de ganhar-perder evitando assim os desgastes emocionais e incentivando o diálogo direto para encontrar uma resposta adequada em cada caso[10]. Nesse ponto, segundo Águeda Luiza Crespo, ao considerarmos a ideia de que uma Justiça lenta constitui a própria negação da ideia de Justiça, podemos observar que a eficiência, a celeridade, a certeza, a economia, a privacidade, que são próprias da atividade notarial, quando se compara com a pesada e gravosa burocracia judicial, constituem por si só embasamento suficiente para reabrir um debate do qual pode e devem surgir melhores soluções.[11]
Partindo da premissa de que tudo o quanto se refira ao direito em seu caráter de controvérsia ou anormalidade é missão própria dos Tribunais de Justiça, tudo quanto se refere à representação ou exteriorização da vida do direito em seu caráter de normalidade deveria portanto ser finalidade própria do notariado.[12]
Agueda Crespo, traçando um paralelo entre a atividade judicial, que intervém de forma reintegradora diante da existência de interesses contrapostos, e a atividade notarial, cuja intervenção é preventiva e onde há ausência de conflito, pondera acerca da ideia de que todos os procedimentos de jurisdição voluntária poderiam ser transferidos à atuação notarial, reservando-se à atividade judicial, a atuação afeta à jurisdição contenciosa.[13]
E pondera que as matérias próprias da jurisdição voluntária se referem a assuntos em que o litígio está ausente e onde o direito se desenvolve de forma pacifica onde, o interesse geralmente está ligado a obter uma declaração de certeza que pode ser oferecida naturalmente pela atuação notarial.[14]
No Brasil, são exemplos de ampliação da atuação extrajudicial tendo por base esse raciocínio: a) Lei n° 8.560/92 que trata da facilitação do estabelecimento da paternidade perante os serviços de registro civil; b) Lei n°9.514/97, que versa sobre os procedimentos de notificação do devedor e leilão extrajudicial nos contratos de alienação fiduciária; c) Lei n° 10.931/2004, que possibilita a retificação administrativa dos registros imobiliários; d) Lei 11.481/2007 que dispôs sobre a regularização fundiária para zonas especiais de interesse social; as quais são responsáveis pela abertura do caminho da regularização fundiária extrajudicial no Brasil e possibilitaram que os Tribunais, nesses casos, ficassem restritos aos conflitos de interesse, às lides, e que, por sua vez, os cartórios extrajudiciais passassem a atuar na prevenção de litígios e na homologação de acordos, solucionando rapidamente os problemas.
Também nessa linha, nasceu a Lei 11.441/2007[15], a qual pretendeu afastar do Judiciário questões relativas à mera administração da Justiça, entre as abrangidas pelos chamados procedimentos de Jurisdição Voluntária, ao possibilitar a lavratura de escritura pública para os casos de inventário, separação e divórcio, nos casos que disciplinou, ou seja, diante da ausência de conflito e de partes menores ou incapazes. Para esses casos, referida lei dispensou a homologação judicial, tornando a escritura pública respectiva, título hábil para a averbação da mudança do estado civil e para a transferência da propriedade dos bens partilhados.
De acordo com Karin Regina Rick Rosa, essa lei facilita extremamente o procedimento para os atos nela previstos e ao mesmo tempo alivia a carga do Judiciário, permitindo-lhe deixar de lado providências meramente homologatórias para dedicar-se com mais profundidade à solução rápida e justa de processos litigiosos[16].
Bem se nota que o legislador deu realce à autonomia da vontade das partes e por isso lhes permite a dispensa de comparecimento a juízo e afasta os rigores da burocracia forense para a celebração de um ato notarial que visa tão-somente a chancelar a vontade das partes na finalização da sociedade conjugal inerente ao casamento.[17]
Na mesma linha, estuda-se a ampliação da aplicação desta Lei para os mesmos procedimentos referidos, que envolvam também partes menores ou incapazes, com a previsão de participação do Ministério Público e, ainda, a possibilidade de lavratura de escritura pública mesmo diante da existência de testamento, assim como tramita projeto de desjudicialização dos processos de usucapião, todos paralelos à discussão de reforma do Código de Processo Civil.[18]
A adoção dessa sistemática no ordenamento jurídico brasileiro, além de ser viável, é compatível com o princípio da função social da propriedade, da duração razoável do processo e da segurança jurídica. Os serviços notariais e de registro, no Brasil, estão capacitados para absorver essa premente demanda. […] Vem crescendo a necessidade de serem disponibilizados à população mecanismos que oportunizem a realização do direito através de instrumentos céleres, ágeis, acessíveis e de menor custo econômico […] enquanto instrumento destinado à promoção da dignidade social à população do país, notadamente àquelas pessoas mais carentes de recursos econômicos. [19]
Marco Antonio Greco Bortz cita ainda outras possibilidade de atuação notarial, como a mudança de regime de bens, prevista no artigo 1.639 do Código Civil[20], que pode ser revista e conduzida pelo notário[21], inclusive por ser ele o responsável pela elaboração da escritura de pacto antenupcial. Também a adoção de pessoas maiores de idade poderia voltar à competência dos notários, na forma como acontecia sob a égide do Código Civil de 1.916[22]. E complementa que no processo civil existem inúmeras hipóteses a considerar, tanto de jurisdição voluntária como em processos cautelares, execução hipotecária, alienação de bens, verificação e abertura do testamento cerrado, entre outros, cuja atuação notarial poderia aliviar a carga processual, inclusive no que se refere à produção de provas, por meio da ata notarial[23].
Por fim, pondera Luiz Carlos Weizenmann que a substituição de determinadas funções administrativas exercidas pelo judiciário por sua atribuição aos notários atende ainda aos preceitos da Emenda Constitucional 45/2004, que tratou da Reforma do Poder Judiciário no que se refere aos fatores de eficácia e eficiência na solução dos conflitos.[24]
[1] MOTA, Julia Claudia Rodrigues da Cunha. As novas formas de acesso à justiça (desjudicialização). São Paulo: Faculdade Autônoma de Direito, 2009. p.18. Disponível em http://www.fadisp.com.br/download/turma_m4/julia_claudia_rodrigues_da_cunha_mota.pdf. Acesso em 12/09/2012.
[2] MOTA, Julia Claudia Rodrigues da Cunha. As novas formas de acesso à justiça (desjudicialização). São Paulo: Faculdade Autônoma de Direito, 2009. p.18. Disponível em http://www.fadisp.com.br/download/turma_m4/julia_claudia_rodrigues_da_cunha_mota.pdf. Acesso em 12/09/2012.
[3] ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico de consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.p.54-76
[4] ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico de consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.p.67
[5] ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico de consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.p.86
[6] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. A conciliação extrajudicial no quadro participativo. In: Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.p.282.
[7] FABIÃO, Marcelo Poppe de Figueiredo. O acesso à justiça e a efetividade: instrumentos extrajudiciais de solução e prevenção de conflitos. Disponível em http://portal. estacio.br/media/2476195/marcelo%20poppe%20figueiredo%20fabi%C3%A3o.pdf. Acesso em 13/09/2012.
[8] FABIÃO, Marcelo Poppe de Figueiredo. O acesso à justiça e a efetividade: instrumentos extrajudiciais de solução e prevenção de conflitos. Disponível em http://portal.estacio.br /media/2476195/marcelo%20poppe%20figueiredo%20fabi%C3%A3o.pdf. Acesso em 13/09/2012.
[9] FABIÃO, Marcelo Poppe de Figueiredo. O acesso à justiça e a efetividade: instrumentos extrajudiciais de solução e prevenção de conflitos. Disponível em http://portal.estacio.br /media/2476195/marcelo%20poppe%20figueiredo%20fabi%C3%A3o.pdf. Acesso em 13/09/2012.
[10] FABIÃO, Marcelo Poppe de Figueiredo. O acesso à justiça e a efetividade: instrumentos extrajudiciais de solução e prevenção de conflitos. Disponível em http://portal. estacio.br /media/2476195/marcelo%20poppe%20figueiredo%20fabi%C3%A3o.pdf. Acesso em 13/09/2012.
[11] CRESPO, Agueda Luisa. La función notarial y la jurisdicción voluntaria. Revista del Notariado. Buenos Aires, Colegio de escribanos de la Capital Federal, septiembre-octubre 1982, 785 Disponível em www.colegio-escribanos.org.ar/biblioteca/cgi-bin/ESCRI/ARTICULOS/ 44434.pdf Acesso em 19/02/2013.
[12] CRESPO, Agueda Luisa. La función notarial y la jurisdicción voluntaria. Revista del Notariado. Buenos Aires, Colegio de escribanos de la Capital Federal, septiembre-octubre 1982, 785 Disponível em www.colegio-escribanos.org.ar/biblioteca/cgi-bin/ESCRI/ARTICULOS/ 44434.pdf Acesso em 19/02/2013.
[13] CRESPO, Agueda Luisa. La función notarial y la jurisdicción voluntaria. Revista del Notariado. Buenos Aires, Colegio de escribanos de la Capital Federal, septiembre-octubre 1982, 785 Disponível em www.colegio-escribanos.org.ar/biblioteca/cgi-bin/ESCRI/ARTICULOS/ 44434.pdf Acesso em 19/02/2013.
[14] CRESPO, Agueda Luisa. La función notarial y la jurisdicción voluntaria. Revista del Notariado. Buenos Aires, Colegio de escribanos de la Capital Federal, septiembre-octubre 1982, 785 Disponível em www.colegio-escribanos.org.ar/biblioteca/cgi-bin/ESCRI/ARTICULOS/ 44434.pdf Acesso em 19/02/2013.
[15] Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007. Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm
[16] ROSA, Karin Regina Rick. Adequada atribuição de competência aos notários. In CAHALI, Francisco José; FILHO, Antônio Herance; ROSA, Karin Regina Rick; FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger. Escrituras públicas – Separação, divórcio, inventário e partilha consensuais: análise civil, processual civil, tributária e notarial – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 54
[17] MEIRELES, Rose Melo Vencelau. O poder de disposição nas relações familiares. In TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (org.) Diálogos sobre direito civil. Vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.538
[18] Tramitação do projeto disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/ fichadetramitacao ?idProposicao=490267 Acesso em 19/02/2013.
[19] PAIVA, João Pedro Lamana. Novas perspectivas de atos notariais: Usucapião extrajudicial e sua viabilidade no ordenamento jurídico brasileiro. In: IDEAL Direito Notarial e Registral. São Paulo: Quinta Editorial, 2010, p.66.
[20] Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. § 1o O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento. § 2o É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
[21] BORTZ, Marco Antonio Greco. A desjudicialização– um fenômeno histórico e global. In Revista de direito notarial. Ano 1. n. 1. Jul-Set/2009. p.107.
[22] BORTZ, Marco Antonio Greco. A desjudicialização– um fenômeno histórico e global. In Revista de direito notarial. Ano 1. n. 1. Jul-Set/2009. p.107.
[23] BORTZ, Marco Antonio Greco. A desjudicialização– um fenômeno histórico e global. In Revista de direito notarial. Ano 1. n. 1. Jul-Set/2009. p.108
[24] WEIZENMANN, Luiz Carlos Weizenmann. A escritura pública decorrente da lei 11.441/07 e seu registro. In TUTIKIAN, Cláudia Fonseca; TIMM, Luciano Benetti; PAIVA, João Pedro Lamana (coord.) Novo direito imobiliário e registral – São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 290