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ACESSO À JUSTIÇA E ATUAÇAO NOTARIAL
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É certo que a confiança que a sociedade deposita na intervenção notarial decorre de um assessoramento qualificado e do controle de legalidade exercido pelo notário. Porém sua atuação também revela uma finalidade essencialmente econômica, na medida em que pode evitar custos futuros e imprevisíveis derivados da indeterminação ou imperfeição das formas jurídicas adotadas fora do âmbito notarial[1].
Direito e economia evoluíram desde um passado de total divórcio entre conceitos e análises até um presente de estreita vinculação e estudo em conjunto. Segundo Julia Garcia, se voltarmos no tempo veremos que Marx sustentava que o Direito, dentro da organização capitalista, é um dos meios ou instrumentos de que se valem as classes possuidoras de riquezas para dominar os trabalhadores.[2]
Julia Garcia destaca que toda a análise econômica do direito, inclusive a teoria de Ronald Coase está fundamentada no direito norte-americano, ou seja, tem como base jurídica o direito anglo-saxão e foi transplantado para a nossa cultura sem importantes adaptações, produzindo sérias distorções, inclusive pelo fato de aplicar a países subdesenvolvidos, políticas que são adequadas apenas para os desenvolvidos.
Ressalta ainda que isso reflete imensamente na atividade notarial de base latina pois é cada vez mais difícil adaptar os preceitos da análise econômica do direito que tomam por base normas e instituições próprias da common law ao notariado do tipo latino, o qual acaba completamente desvalorizado, diante da cultura norte-americana na qual um documento translativo de propriedade pode ser elaborado por qualquer profissional do direito, refletindo, portanto, no crescimento desenfreado da validade dos documentos privados em detrimento do instrumento público. [3]
Fora desse contexto, porém, a análise econômica do direito tem se fortalecido a cada dia, por razões óbvias – é preciso analisar os diversos aspectos da formação, da estrutura e dos efeitos econômicos da lei e das instituições jurídicas. Isso, aliás já foi proposto há muito tempo por Adam Smith[4] porém, recentemente, a atenção das investigações nessa área tem se voltado para os custos da transação.
Foi Ronald Coase quem primeiro falou sobre a importância dos custos envolvidos na interação humana[5] e, de forma objetiva, podemos dizer que hoje, essa teoria envolve a investigação detalhada das diferentes e principais etapas do processo de trocas do mercado, tendo como ponto de partida a constatação de que toda transação econômica engendra custos que antecedem sua realização, ou seja, custos de transação podem ser compreendidos como os “sacrifícios” necessários para que certa atitude (transação) seja concretizada.
Isso também acaba refletindo no que podemos chamar de eficiência econômica, como sendo a relação entre a soma dos benefícios de uma situação e o total de custos derivados dela, geralmente relacionados com a informação, a negociação, a representação de interesses, a assessoria jurídica na redação de contratos, entre outros custos que geralmente envolvem um intermediário que possa trazer de um negócio, o maior número de benefícios com o menor custo.
Em um mundo ideal, fundado na valorização dos bens e das relações jurídicas e onde os direitos de propriedade se transmitem de maneira perfeita, o papel do notário ou de outro profissional seria desnecessário, porém, esse mundo não existe aqui ou em qualquer outra parte do mundo. Então de que maneira pode o notário contribuir com a redução dos custos de transação ou de que modo pode atuar em benefício da eficiência econômica dos negócios jurídicos em geral?
Primeiramente, atuando como “engenheiros de custos de transação”, expressão utilizada por Ronald Gilson, produzindo instrumentos e estruturas eficientes que permitam superar a distância que separa as hipóteses abstratas do mercado perfeito, da realidade das transações no mundo real.[6]
Herzog argumenta que isso se realiza sob dois aspectos: por um lado, ao dar certeza das decisões que as pessoas adotam em relação ao seu patrimônio e, por outro, ao utilizar seus conhecimentos para assegurar-se de que a forma jurídica que seja adotada pelas partes seja idônea para proteger seus interesses [7], ou seja, se realiza pelo duplo aspecto da atuação notarial.
Porém, como calcular a eficiência econômica da atuação notarial? A resposta a essa pergunta passa necessariamente pela comparação entre duas hipóteses jurídicas semelhantes, de compra e venda de um imóvel em condições legais de transferência, onde uma tenha sido coberta pela segurança jurídica oferecida pela intervenção notarial e a outra estabelecida fora desse âmbito.
Na primeira hipótese, seria necessário somar todos os gastos com taxas de transferência, impostos de transmissão, emolumentos notariais e de registro. Na segunda, embora esses gastos não tenham sido efetivados pelo comprador, seria necessário estimar a incidência de litígios que previsivelmente poderiam derivar da ausência da atuação notarial, seja pela incapacidade relativa de uma das partes, seja pela venda do mesmo imóvel a diferentes compradores, mais de uma vez, seja pela existência de débitos fiscais em nome do alienante ou pela ausência de requisitos formais do documento que não teve seu acesso ao registro imobiliário admitido.
Imaginemos ainda que com a quebra da cadeia de domínio desse imóvel, cuja transferência não foi registrada em sua respectiva matrícula, um posterior financiamento imobiliário foi negado pela instituição bancária. O comprador deixou também de poder oferecê-lo em garantia do pagamento de uma dívida decorrente de sua atividade empresária, num negócio de elevada monta e sucesso garantido. Podemos imaginar ainda, que esse comprador faleceu, deixando seus herdeiros desprotegidos patrimonialmente e sem condições de realizar a transmissão da propriedade pelo respectivo inventário, aumentando ainda mais a informalidade iniciada pelo primitivo comprador, que considerou apenas os custos de transferência imediatos, ao optar pela via da exclusão da atuação notarial.
Nesse caso, é impossível falarmos de uma cifra hipotética do que representaria a ausência da intervenção notarial, tanto mais se também contabilizarmos a desvalorização do preço de venda do imóvel, que é sempre inferior ao que se obteria se o título de propriedade estivesse em condições legais de transferência.
Também falamos de eficiência econômica da atuação notarial, segundo Herzog, ao verificar seu papel de auxiliar na arrecadação de impostos[9] o que, a primeira vista faz pensar nos impostos municipais ou estaduais relativos à transmissão de bens imóveis, porém esse papel se estende também à colaboração com a Receita Federal, na comunicação mensal que é feita acerca de todas as transações imobiliárias cujas informações estão interligadas com as declarações de renda dos cidadãos em todo o país.
Esse papel tem reflexos também na arrecadação indireta, pois ao formalizar a transferência de uma propriedade, é necessário que todos os impostos municipais relativos a ele estejam em dia (IPTU), além da arrecadação de taxas judiciárias, fundos, etc. “De modo que a arrecadação potencial oferecida pelo serviço notarial é indubitavelmente considerável e representa uma porção destacada das fontes de ingresso próprias de capital.” [10]
Sob outro aspecto, hoje a transferência de domínio sobre bens imóveis, ou seja, a lavratura de escrituras públicas de imóveis que mudam de proprietário é provavelmente, a função de maior transcendência para os usuários de serviços notariais, pois conferem a certeza plena sobre a titularidade dos direitos sobre o patrimônio, elevando o valor de confiança dos indivíduos nas instituições e, dessa forma, torna-se a atividade notarial eficiente pelo fato de que a utilidade que presta é muito maior do que os custos que implica.
O notariado potencializa as relações econômicas, uma vez que, para que um país funcione é necessário que haja movimento, haja comércio. Para que haja comércio é necessário dinheiro, mas ninguém lhe dá dinheiro se não houver garantias. O sistema de garantias está na base da pirâmide do desenvolvimento econômico e, por isso quanto mais segurança jurídica, mais desenvolvimento, porque a confiança – que é outra forma de falar de segurança jurídica – é um elemento muito importante na economia: um comércio desacreditado é um comércio arruinado e o que o notário acaba por trazer é confiança.
Se, em termos econômicos toda necessidade se satisfaz por meio de um bem ou serviço, o serviço notarial satisfaz a necessidade de segurança jurídica e paz social e, sem estas, não pode haver desenvolvimento econômico.
[1] MELERO, Martín Garrido. El estatuto del notario en el XXIV congresso internacional del notariado latino (México. Del 17 a 22 de octubre de 2004) In El notariado y la reforma de la fe pública. Madrid: Colegio Notarial de Cataluña, 2007, p.82.
[2] GARCIA, Julia Siri. Análisis Económico del Derecho desde la Perspectiva del Derecho Notarial: el Notariado como Factor de Eficiencia y Equidad. Palestra apresentada durante a XII Jornada Notarial Iberoamericana, em Punta del Este, Uruguai. Revista Digital de Derecho do Colegio de Notários de Jalisco, México n.34, Deciembro 2006.
[3] GARCIA, Julia Siri. Análisis Económico del Derecho desde la Perspectiva del Derecho Notarial: el Notariado como Factor de Eficiencia y Equidad. Palestra apresentada durante a XII Jornada Notarial Iberoamericana, em Punta del Este, Uruguai. Revista Digital de Derecho do Colegio de Notários de Jalisco, México n.34, Deciembro 2006.
[4] ECONOMIA E DIREITO, LIVRO V, CAPITULO 1, DE ADAM SMITH.
[5] Em artigo publicado em 1937.
[6] HERZOG F., Jesús Silva. La dimensión económica del notariado: Aproximações a la contribuición de la profesión notarial a la economia mexicana. 2ª. Ed., México: Miguel Angel Porrua, 2009.
[7] HERZOG F., Jesús Silva. La dimensión económica del notariado: Aproximações a la contribuición de la profesión notarial a la economia mexicana. 2ª. Ed., México: Miguel Angel Porrua, 2009.
[8] HERZOG F., Jesús Silva. La dimensión económica del notariado: Aproximações a la contribuición de la profesión notarial a la economia mexicana. 2ª. Ed., México: Miguel Angel Porrua, 2009.
[9] HERZOG F., Jesús Silva. La dimensión económica del notariado: Aproximações a la contribuición de la profesión notarial a la economia mexicana. 2ª. Ed., México: Miguel Angel Porrua, 2009.