TJSC: JUSTIÇA ADMITE RESTRIÇÃO AO USO DA PROPRIEDADE EM PROL DO MEIO AMBIENTE
3 de julho de 2013
POLITICA JURIDICA NOTARIAL BRASILEIRA
10 de julho de 2013A prática de atos notariais envolvendo pessoas idosas é tão comum quanto complexas são as suas relações. Todos os dias, seja para nomear procurador que o represente perante os órgãos de previdência social, seja para vender bens, doar seu patrimônio aos filhos, ou fazer seu testamento, a pessoa idosa comparece a uma serventia notarial, em grande parte das vezes sem assistência de alguém que possa lhe esclarecer sobre as reais vantagens ou desvantagens de sua manifestação de vontade.
Importa observar que o estatuto protetivo do idoso cria vários tipos penais, entre eles alguns diretamente envolvidos com a atividade notarial. São eles: a) o ato de discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu direito de contratar ou exercer qualquer direito necessário ao exercício da cidadania[1]; b) recusar, retardar ou dificultar atendimento[2]; c) apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso (admitindo participação)[3]; d) induzir pessoa idosa, sem o discernimento de seus atos a outorgar procuração para fins de administração de bens ou deles dispor livremente[4]; e) coagir, de qualquer modo, o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar procuração[5] e, finalmente, a conduta típica do notário, f) lavrar ato notarial que envolva pessoa idosa sem discernimento de seus atos, sem a devida representação legal[6].
Veja-se que o discernimento é o elemento fundamental no que se refere aos atos que ele venha a praticar.
Discernir significa, em suma, a possibilidade conferida – ou não – a cada pessoa para decidir com base em distinções, em avaliação de conseqüências, em ponderação de fatos, circunstâncias e valores. Do discernimento nasce a compreensão, a imputabilidade (pressuposto à atribuição de responsabilidade) e, por conseqüência, a responsabilidade, motivo pelo qual o sujeito autônomo é o sujeito responsável.[7]
O discernimento necessário a diversos atos negociais nem sempre é revelado no primeiro contato. Nem sempre o idoso tem a noção exata do que pretende e é nesse contexto que o notário deve atuar para proteger os interesses especiais de pessoas especiais. O grau de discernimento, segundo Judith Martins Costa, pode variar segundo diversos elementos, funcionais e conjunturais, podendo estar presente em certos atos e situações e totalmente ausente em outras.[8] “Assim, o que qualifica a vontade é o discernimento, pois é este que nos faz capazes de avaliar as conseqüências de nossos atos e ter consciência da correlata responsabilidade advinda de sua prática”. [9]
Nesse ponto, verifica-se que, apesar do tipo penal especifico, de um modo geral ao idoso não se pode negar a pratica das contratações, porém, também como regra geral, tem o notário o dever de verificar se a pessoa idosa que comparece para a outorga de uma procuração, por exemplo, tem o discernimento necessário para praticá-lo. Essa percepção do entendimento deve ser analisada sob diversos aspectos, inclusive considerando que a presença de eventual parente ou acompanhante da pessoa idosa possa estar exercendo coação, sob alguma forma, ainda que velada.
A linha que separa o tipo penal de “discriminar a pessoa idosa dificultando a contratação” do ato de “lavrar ato notarial que envolva pessoa sem discernimento” é muito tênue e, por essa razão, caso a caso deverá ser avaliada a situação que se apresentar, e o ponto de equilíbrio nesta avaliação deve ser o bom senso e a experiência do profissional do direito que, por meio de questionamentos simples sobre aspectos pessoais do idoso, como indagar o nome de sua mãe, sua data de nascimento, aumentando a complexidade das perguntas poderá convencer-se ou não de sua capacidade de discernimento e, na dúvida, justificada por motivos objetivos, poderá exigir a comprovação da saúde mental atestada por médico.[10]
Assim, a proteção dos direitos dos idosos é dever do notário e, neste contexto, cabe ao tabelião esclarecer e orientar que a idade, o mero envelhecimento não é sinônimo de incapacidade. Deve-se sempre garantir que as pessoas idosas tenham o tratamento adequado, com toda a dignidade, respeito e consideração que lhes são devidos, inclusive com atendimento especializado, resguardando as preferências legais que lhes são atribuídas, como prioridade na fila e instalações adequadas às dificuldades de locomoção inerentes à idade.[11]
[1] Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade.
[2] Art. 100. Constitui crime punível com reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa: III – recusar, retardar ou dificultar atendimento ou deixar de prestar assistência à saúde, sem justa causa, a pessoa idosa;
[3] Art. 102. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade.
[4] Art. 106. Induzir pessoa idosa sem discernimento de seus atos a outorgar procuração para fins de administração de bens ou deles dispor livremente.
[5] Art. 107. Coagir, de qualquer modo, o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar procuração.
[6] Art. 108. Lavrar ato notarial que envolva pessoa idosa sem discernimento de seus atos, sem a devida representação legal.
[7] MARTINS-COSTA, Judith. Capacidade para consentir e esterilização de mulheres. In MARTINS-COSTA, Judith; MOLLER, Letícia Ludwig (Org.) Bioética e responsabilidade. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.320.
[7] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. O direito das famílias entre a norma e a realidade. São Paulo: Atlas, 2010, p.320.
[8] MARTINS-COSTA, Judith. Capacidade para consentir e esterilização de mulheres. In MARTINS-COSTA, Judith; MOLLER, Letícia Ludwig (Org.) Bioética e responsabilidade. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.320.
[9] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. O direito das famílias entre a norma e a realidade. São Paulo: Atlas, 2010, p.50.
[10] No Rio de Janeiro tabelião sofreu processo administrativo instaurado pela Corregedoria Estadual em virtude da exigência de atestado de sanidade mental para todas as pessoas maiores de 60 anos. Disponível em http://www.conjur.com.br/2007-out-02/cartorio_acusado_exigir_atestado _sanidade. Acesso em 20/02/2013.
[11] FISCHER, José Flavio Bueno. Capacidade civil da pessoa idosa. Disponível em http://www. Fischer.not.br/?p=621. Acesso em 20/02/2013.