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18 de junho de 2013IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO NÃO É BEM DE FAMÍLIA.
21 de junho de 2013Para Peter Haberle[1], a teoria sobre a interpretação constitucional sempre se colocou sobre duas questões fundamentais: primeiro, sobre as tarefas e os objetivos da interpretação e, segundo, sobre os métodos hermenêuticos. Diz o autor que nunca se deu importância significativa a uma terceira questão, relativa a quem são os participantes da interpretação. Assevera que a teoria da interpretação constitucional sempre esteve muito vinculada a um modelo de interpretação de uma sociedade fechada, reduzida à interpretação constitucional dos juízes e dos procedimentos formalizados.[2] Para este autor:
[…] A interpretação constitucional é, em realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte dessa sociedade […] Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade.[3]
Nesta ótica, o papel do legislador é de criar uma parte da esfera pública e da realidade da Constituição, para o posterior desenvolvimento dos princípios constitucionais, atuando como precursor da interpretação constitucional. Já os juízes, ou a jurisdição constitucional, são apontados como catalisadores essenciais, embora não únicos, da Ciência do Direito Constitucional, influenciando diretamente a interpretação constitucional, legitimados pelas competências formais previstas no texto da Carta (órgãos estatais vinculados – inclusive legislativo e judiciário) e que atuam de acordo com um procedimento pré-estabelecido.
O autor defende, porém, que a estrita correspondência entre vinculação formal e legitimação para a interpretação perde seu poder quando se considera que interpretação é um processo aberto[4] e diz:
A vinculação se converte em liberdade na medida em que se reconhece que a nova orientação hermenêutica consegue contrariar a ideologia da subsunção. A ampliação do círculo dos intérpretes aqui sustentada é apenas conseqüência da necessidade, por todos defendida, de integração da realidade no processo de interpretação. […] Se se reconhece que a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada, há de se indagar sobre os participantes no seu desenvolvimento funcional, sobre as forças ativas da law in publicaction (personalização da interpretação constitucional).[5]
Para corroborar seu entendimento, aponta que a Teoria da Democracia serve de fundamento para o raciocínio de que:
Povo é também um elemento pluralista para a interpretação que se faz presente de forma legitimadora no processo constitucional: como partido político, como opinião científica, como grupo de interesse, como cidadão. A sua competência objetiva para a interpretação constitucional é um direito de cidadania no sentido da […] Lei Fundamental.[6] (grifei)
Assim, a interpretação constitucional é uma atividade que, potencialmente, diz respeito a todos. Quaisquer grupos e o próprio indivíduo podem ser considerados intérpretes constitucionais indiretos, sendo que a conformação da realidade da Constituição torna-se também parte da interpretação das normas constitucionais pertinentes a essa realidade. Em relação ao papel do notário como intérprete da Constituição, em sua função preventiva de litígios e de conformação da vontade das partes à realidade jurídica, percebe-se que ele assume essa tarefa e também a de instrumento de efetivação dos princípios constitucionais.
Isso porque, nessa atuação, necessita, por exemplo, verificar qual o direito sucessório (direito público) a ser aplicado em determinado caso concreto, negando ou aceitando formalizar a intenção das partes em distribuir determinada herança exclusivamente ao companheiro (equiparado ao cônjuge) com fundamento na Constituição e contrariamente à ordem sucessória prevista no Código Civil. Cabe a ele também a análise da possibilidade ou impossibilidade de revogação de uma escritura de divórcio que ainda não tenha sido averbada junto ao Ofício de Registro Civil (direito público), cuja questão ultrapassa a seara dos interesses privados.
Da mesma forma, na efetivação dos direitos fundamentais também deve proteger os interesses das partes quando se pretenda formalizar o procedimento de inventário de propriedade imobiliária localizada no Brasil, cujo autor da herança tenha nacionalidade estrangeira (direito internacional). Em todos esses casos, antes da edição da Lei nº 11.441/2007[7], que possibilitou a separação, divórcio e inventários pela via extrajudicial, somente o Juiz possuía legitimidade para aplicar ou para verificar qual o direito aplicável ao caso concreto.
Isso não quer dizer, no entanto, que suas funções tenham se modificado com a edição desta lei. Porém, houve uma ampliação significativa de sua competência para que o notário pudesse contribuir de forma mais ativa e efetiva na concretização dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais.
Nesse ponto, um fundamento que merece ser destacado, para responder a questão da legitimidade do notário no papel de concretizador dos princípios constitucionais por meio da atuação protegida pela Lei nº 11.441/2007[8], diz respeito ao entendimento de Peter Haberle: nesse caso, podemos considerar o notário legitimado pela Teoria da Democracia e pela sociedade aberta dos intérpretes da Constituição para atuar como verdadeiro intérprete constitucional.
Ao considerarmos válida a tese de Peter Haberle, de que todos os cidadãos são potencialmente intérpretes da Constituição, e considerando que o papel do notário, embora de aconselhamento e prevenção de litígios, seja o de formalizar juridicamente a vontade das partes em um ato notarial, temos que na verdade, os atores diretamente interessados no ato notarial em questão – divórcio ou inventário por exemplo – é que assumem por si próprios a tarefa de interpretar a Constituição. São eles, no momento da lavratura do ato, os verdadeiros participantes do processo de interpretação constitucional.
Por outro lado, ao notário cabe o controle da legalidade da manifestação de vontade. Cabe, segundo Leonardo Brandelli, fundado no princípio da juridicidade: qualificar juridicamente essa vontade, criando o instrumento jurídico adequado à produção de seus efeitos e fins jurídicos. Nessa tarefa, o notário não pode acatar manifestações de vontade contrárias ao direito.[9]
Ao notário cabe a tarefa de realizar um ato notarial perfeito, no sentido de que a escritura lavrada possa atingir sua plena eficácia, como ato jurídico perfeito, válido, existente e eficaz, pois assume a condição de assessor jurídico das partes, aconselhando-as acerca das consequências jurídicas do ato a ser celebrado, qual o seu alcance e quais os efeitos que ele produzirá. É nesse ponto que se revela o papel do notário como verdadeiro intérprete constitucional, pois, na tarefa de conformar a vontade das partes à realidade jurídica, deve conformá-la, em primeiro plano, com a realidade constitucional, com a principiologia constitucional, principalmente diante do argumento de Peter Haberle de que:
Muitos problemas e diversas questões referentes à Constituição material não chegam à Corte Constitucional, seja por falta de competência específica da própria Corte, seja pela falta de iniciativa de eventuais interessados. Assim, a Constituição material “subsiste” sem interpretação constitucional por parte do juiz. […] Os participantes do processo de interpretação constitucional em sentido amplo e os intérpretes da Constituição desenvolvem, autonomamente, direito constitucional material. Vê-se, pois, que o processo constitucional formal não é a única via de acesso ao processo de interpretação constitucional.[10]
Da mesma forma, lembre-se de que o papel de intérprete constitucional deferido a todos os cidadãos e também ao notário não retira do juiz, do Poder Judiciário, a interpretação autêntica, formal, ou seja, havendo conflito entre as partes, podem elas socorrer-se das vias judiciais.
Por óbvio existem outros atores e intérpretes da sociedade aberta preconizada por Peter Haberle que contribuem nesse processo, porém, óbvio também é que o notário não só pode ser incluído na lista de intérpretes constitucionais como exerce papel fundamental de transformador da realidade constitucional. Neste exercício, atua como conselheiro jurídico das partes, na medida em que orienta e prepara o ato notarial para que possa produzir todos os efeitos no mundo jurídico, calcados nos fundamentos e princípios constitucionais.
[1] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Por Alegre: Sergio Antonio Frabis, 2002, p. 11.
[2] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Por Alegre: Sergio Antonio Frabis, 2002, p. 11.
[3] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 13.
[4] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 30
[5] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 31
[6] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 37
[7] Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007. Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Disponível em http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm
[8] Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007. Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Disponível em http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm
[9] BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. 4a ed. São Paulo: Saraiva, p.149.
[10] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 42