
FUNÇÃO NOTARIAL E A PROTEÇÃO DAS PESSOAS IDOSAS
4 de julho de 2013
NOVAS REGRAS PARA CONCURSOS EM CARTÓRIOS
12 de julho de 2013Os temas da política jurídica mereceram singular tratamento por Osvaldo Ferreira de Melo, que em seus estudos estabeleceu um quadro descritivo da realidade jurídica de seu tempo, além de criar propostas de atuação do político do direito frente aos novos desafios impostos pela pós-modernidade. Para ele:
O Direito necessita da Política para continuadamente renovar-se nas fontes de legitimação e esta necessita daquele para objetivar, em realidade, as reivindicações sociais legítimas, ou seja, propor um sistema de categorias, conceitos, princípios e normas capazes de assegurar não só relações econômicas mais justas, mas também o alcance de um ambiente social realmente ético e estimulador das práticas solidárias.[1]
Nesse contexto, é primordial que o político do Direito receba uma nova produção legislativa, tendo em mente que a utilidade da norma deve ter o maior alcance possível e a maior adequação possível às necessidades sociais.
Esse papel caberá ao agente da Política do Direito, que deverá ser o advogado, o parecerista, o professor, o doutrinador, o assessor ou consultor jurídico, o juiz, o promotor, enfim, todo aquele que é capaz de ousar, sem pretender, no entanto, desconstruir o que não possa reconstruir.[2]
O político do Direito deve interessar-se pela norma jurídica desde sua concepção, desde a sua forma embrionária no útero social, preocupando-se com seus valores, fundamentos e consequências, sendo importante que a norma responda tanto quanto possível às necessidades gerais da sociedade, desde que atenda às características essenciais de justiça, verdade e utilidade e sem descuidar da primordial segurança jurídica.[3]
O caráter ideológico e axiológico próprio da Política do Direito exige que uma norma, além dos requisitos para sua validade formal, se conforme com os valores justiça e utilidade social, pois só assim poderá ostentar a sua validade material. Uma norma que não assegure esses valores não pode ser chamada jurídica e melhor será que não faça parte do sistema normativo. Da mesma forma o processo que não leve a uma decisão capaz de assegurar esses valores no seu desiderato, será politicamente ilegítimo, em que pese sua validade formal. Essa a posição inarredável da Política do Direito.[4]
Fernando Fernandez destaca que as discussões relativas a política jurídica são tendencialmente infinitas. As coletividades, porém, esperam por resultados, para que a justiça no aqui e agora do convívio real desenvolva sua força determinadora.[5]
Para Leonardo Brandelli, o direito notarial tem uma política jurídica especial, de acordo com as características preponderantes no Estado em que é aplicado, e, por essa razão, diversas são as nuanças aplicáveis.[6]
Se estivermos diante de um Estado que proíbe ou dificulta a circulação da propriedade, uma instituição notarial pouco terá a fazer. Por outro lado, onde o direito de propriedade é reconhecido e assegurado, como baluarte da economia, haverá a tendência de existir um notariado forte e apto a garantir a segurança jurídica nas relações.[7]
Infelizmente, a política brasileira tem sido tradicionalmente de profundo descaso com a instituição notarial, revelando-se atrofiada, recolhida a preceitos impostos pelos senhorios portugueses há séculos, a ponto de ter sido qualificada como de “evolução frustrada”.[8]
Porém, ensina Brandelli, a instituição notarial é um relevante meio de consecução da certeza e segurança jurídicas preventivas e de consecução de alguns dos intentos da teoria contratual pós-moderna, como o controle da eventual abusividade dos direitos[9].
No Brasil, assim como nos países desenvolvidos, a propriedade, a construção, o comércio e o crédito estão representados por processos de documentação e registros confiáveis, títulos representativos de circulação de riquezas, contratos formalizados, títulos de propriedade como instrumentos dos negócios imobiliários, todos representando segurança jurídica, todos reclamando a atuação notarial, gerando investimentos e crescimento econômico.
Por essa razão, significativa ampliação da atuação notarial vem se consolidando, inclusive com a necessidade de desjudicialização dos conflitos. Esta ideia de afastar do judiciário as questões de mera administração de interesses, desafogá-lo de pretensões de fácil resolução, buscando agentes de colaboração, foi motivo para encontrar no notário o profissional de direito ideal para administrar a justiça nos casos de inventários, separações e divórcios – desde que não houvesse conflito e nem se envolvesse interesse de incapazes.[10]
Além desta recente inovação legislativa, várias são as outras hipóteses de colaboração do notário com a administração da justiça, podendo ser muito melhor aproveitado, porque dispõe de estrutura funcional com capacidade jurídica e intelectual necessárias para recepção dos atos judiciais meramente homologatórios da vontade das partes.[11]
Ganha o Estado, que não precisa dispor de grandes recursos para redistribuir a prestação dos serviços. Ganha o usuário, que passa a ter uma alternativa com economia de tempo e recursos. Ganha a sociedade, com a diminuição de demandas, celeridade na solução de graves problemas e aumento do bem estar e da circulação da riqueza. Ganha o Poder Público, que passa a aproveitar melhor os recursos humanos e materiais que tem à sua disposição, e a recolher mais tributos em virtude da produtividade.[12]
Quanto às vantagens da atuação notarial em processos de inventário e usucapião, constata-se que, desprezando tal contribuição trazida pela lei, um imóvel pode ficar muitos anos sem aproveitamento, na pendência da solução de um processo de inventário ou usucapião. Desse modo, a propriedade deixa de atender ao seu fim social e os titulares do direito ficam paralisados ou agem na informalidade, sem acesso às riquezas, utilidades ou comodidades que o imóvel poderia produzir. Em grande escala, esta paralisia representa bilhões de reais de prejuízo material, sem contar o desgaste moral causado às partes.[13]
Por outro lado, o notariado brasileiro perdeu muita de sua importância política no contexto da administração pública e, no que se refere à atuação como agente econômico, a diminuição de suas atribuições tem ocorrido com regular frequência. Relata Carlos Poisl que, quando da criação do Sistema Nacional de Habitação, em 1966, a lei federal criou a figura da escritura pública sem notário, ao conferir efeitos de escritura aos instrumentos particulares de constituição de direito real de garantia hipotecária, nos financiamentos feitos pelos agentes do Banco Nacional de Habitação – BNH. Posteriormente, esse mesmo efeito foi estendido a diversos mecanismos de incentivo à aquisição da casa própria.[14]
Em consequência disso, mutuários sem assessoramento jurídico, na ânsia de adquirir a casa própria, assinavam qualquer tipo de contrato que lhes fosse apresentado pelo banco, resultando numa enxurrada de ações judiciais. Os contratos eram elaborados pelas entidades financeiras interessadas nos negócios e, afastada a incômoda fiscalização notarial de seus negócios, desenvolveram-se em poderosas instituições que, em muitos casos, apenas alimentavam a especulação imobiliária.[15]
Ainda hoje, cada vez mais, surgem legislações afastando a necessidade de intervenção do notário para os negócios jurídicos, inclusive na nova regulamentação da alienação fiduciária de imóveis, em 2004, que dispensou o instrumento público. Porém as entidades financeiras cobram taxas de operação, embutidas nos débitos financiados, em valores muito superiores aos emolumentos.[16]
Ao apresentar à população a alternativa de concluir negócios jurídicos sem a necessidade de intervenção do notário, faz o legislador com que se desprestigie cada vez mais sua importância, fomentando a informalidade e afastando, do mundo jurídico, a circulação de riquezas.
Nesse compasso, seu exercício profissional passa quase despercebido pelo homem comum e, assim, a organização da atividade em si e o próprio direito notarial como ramo do Direito, não têm se desenvolvido na mesma velocidade e sintonia de suas novas responsabilidades e das necessidades do mercado, o que fatalmente acarreta prejuízo à eficiência de sua atuação.
[1] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p.14.
[2] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p.15.
[3] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p.20
[4] MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p.44
[5] FERNANDEZ, Fernando Francisco Afonso. Fidelidade partidária no Brasil: análise sob a óptica da política jurídica. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p.136
[6] BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. 4a ed. São Paulo: Saraiva, p.64.
[7] MARTINS, Cláudio. Direito notarial: teoria e técnica. Fortaleza: Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, 1974. p.33.
[8] BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. 4a ed. São Paulo: Saraiva, p.65.
[9] BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. 4a ed. São Paulo: Saraiva, p.275
[10] Lei federal n. 11.441 de 04 jan.2007.
[11] BORTZ, Marco Antonio Greco. A desjudicialização – um fenômeno histórico e global.In Revista de direito notarial. Ano 1. n. 1. Jul-Set/2009. p.108
[12] BORTZ, Marco Antonio Greco. A desjudicialização – um fenômeno histórico e global.In Revista de direito notarial. Ano 1. n. 1. Jul-Set/2009. p.108
[13] BORTZ, Marco Antonio Greco. A desjudicialização – um fenômeno histórico e global.In Revista de direito notarial. Ano 1. n. 1. Jul-Set/2009. p.108
[14] POISL, Carlos Luiz. O tabelionato e o Poder Judiciário. In Revista de direito notarial. Ano 1. n. 1. Jul-Set/2009. p.69
[15] POISL, Carlos Luiz. O tabelionato e o Poder Judiciário. In Revista de direito notarial. Ano 1. n. 1. Jul-Set/2009. p.69
[16] POISL, Carlos Luiz. O tabelionato e o Poder Judiciário. In Revista de direito notarial. Ano 1. n. 1. Jul-Set/2009. p.67