LUCRO IMOBILIÁRIO E ALIENAÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL
23 de agosto de 2013CORREGEDOR NACIONAL ESTABELECE 30 DIAS PARA PUBLICAÇÃO DE EDITAL DE CONCURSO DE CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS NO PAÍS
6 de setembro de 2013A participação do notário, em relação às diretivas antecipadas de vontade, surgiu com o testamento, inicialmente na perspectiva de fazer valer sua vontade última, a respeito da distribuição de seu patrimônio aos herdeiros e legatários, quando de seu falecimento.
Segundo Pontes de Miranda o testamento:
“é o ato pelo qual a vontade de um morto cria, transmite ou extingue direitos. Porque “vontade de um morto cria” e não “vontade de um vivo para depois da morte”? Quando o testador quis, vivia. Os efeitos, sim, com serem dependentes da morte, somente começam a partir dali. Tanto é certo que se trata de querer de vivo, que direitos há (excepcionalíssimos, é certo) que podem partir do ato testamentário e serem realizados desde esse momento. Digamos, pois, que o testamento é o ato pelo qual a vontade de alguém se declara para o caso de morte, com eficácia de reconhecer, criar, transmitir ou extinguir direitos.[1]
O testamento, em todas as suas modalidades e, especialmente, o testamento público, tem suas formalidades definidas pelo Código Civil[2]. Porém é importante que se destaque sua característica de ato personalíssimo, essencialmente revogável e, principalmente, gerador de efeitos para depois da morte do testador.
Quanto ao seu conteúdo, embora mais comum que se trate de disposições patrimoniais, sua conformação jurídica atual admite que o testamento verse sobre conteúdo exclusivamente não patrimonial[3] e é exatamente por meio dessa faculdade legal que se deu o primeiro passo para se reconhecer a validade jurídica do conteúdo do que se convencionou chamar de testamento vital ou biológico.[4]
Esse termo começou a ser utilizado no Brasil em virtude do direito comparado[5], porém, em função de que o testamento é instituto jurídico apto a produzir efeitos após a morte, convencionou-se que melhor seria utilizar a expressão “diretivas antecipadas de vontade” ou “declaração vital ou biológica”[6], uma vez que é feito para gerar efeitos futuros, em vida, durante o período de eventual incapacidade de seu declarante. Outro ponto a considerar para esse raciocínio é o fato de que não se exige forma solene para a declaração vital, podendo inclusive ser feita por instrumento particular, sem a necessidade de testemunhas, ao contrário do testamento.
A participação do notário em atos desta natureza – decidir sobre a vida e sobre a própria morte – diz respeito a preparar e auxiliar o declarante a respeito de todas as cláusulas possíveis, no sentido de orientar os profissionais médicos sobre suas escolhas relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos, bem como para as situações clínicas irreversíveis e terminais, determinando ao médico que propicie ao declarante todos os cuidados paliativos apropriados, evitando a dor e o sofrimento físico, moral e espiritual.[7]
Poderá neste ato dispor, por exemplo: a) sobre o desligamento de aparelhos, em caso de ser declarado um quadro irreversível de melhora ou do qual resulte sequelas e ainda, esgotadas todas as possibilidades de vida sem a ajuda de aparelhos[8]; b) se porventura for diagnosticada gravidez, sobre os procedimentos que devem ser tomados para salvar o feto; c) sobre autorização de utilização de seu material genético para tratamento de seus familiares; d) sobre autorização de utilização de seu sêmen, já depositado em banco próprio, para fecundação com óvulo de eventual esposa, dispondo sobre a gestação poder ser feita por outra pessoa, familiar ou não, e em que prazo; e) sobre os critérios de diagnóstico de sua doença, exigindo a constatação por outros médicos não participantes das equipes de remoção e transplante; f) sobre sua posição em relação à vida digna, entendendo ou não que a sua vida termina quando, face a um diagnóstico médico seguro, não terá mais a possibilidade de se manifestar e viver em estado de saúde com moléstia irreversível, sem a perspectiva de cura e com dor ou dependente de aparelhos ou no denominado “estado vegetativo”, pois isso significaria a negação de sua vida, de sua dignidade, de sua honra, da imagem que deseja ter em vida e na posteridade; g) sobre autorizar que sejam ou não realizadas cirurgias que prolonguem a sua vida, mas lhe subtraiam a possibilidade de manter uma vida estritamente normal; h) sobre autorizar que sofra ou não amputação de qualquer de seus membros; i) se caso mantido vivo e inconsciente por mais de um período, autorize ou não a eutanásia, se permitida pelo ordenamento legal ou, o seu transporte para país onde a legislação a permita.[9]
Poderá eleger representante para decidir tudo o que seja relativo ao seu tratamento médico, às disposições relativas de sua saúde e vida, onde este mandatário deverá agir nos estritos termos deste ato, ou quando haja omissão, segundo os seus próprios critérios, podendo autorizar o desligamento de aparelhos ou a suspensão e interrupção de tratamentos degradantes ou inúteis, o que será apurado segundo decisão de seu mandatário. Para, quando de seu falecimento, obter junto a qualquer médico, clínica ou hospital a integralidade de seu prontuário médico, para agir visando a autorizar necropsia ou autópsia, ou vedá-las, autorizar o transporte de seus restos mortais e liberar o corpo de hospitais ou necrotérios para os funerais, podendo dispor ainda, sobre o termo inicial e final da atuação do mandatário.[10]
Por fim, é possível dispor ainda, sobre a doação dos órgãos que possam ser aproveitados e sobre a cremação de seu corpo e demais solenidades relativas ao funeral.
Pondere-se que embora não se exija formalidade especial, podendo algumas dessas disposições ser objeto de anotação no próprio prontuário médico ou por declaração em qualquer documento particular, é com a participação notarial que a validade do documento trará maior segurança ao próprio declarante e sua família, já que entre as atribuições do notário em relação a redação de qualquer instrumento público, encontra-se a verificação da livre manifestação de vontade, atendendo aos elementos e requisitos gerais de validade e eficácia dos atos e negócios jurídicos. Além disso, a fé pública notarial dotará o instrumento de certeza e segurança jurídica.
Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana tem permeado as relações privadas cada dia com maior profundidade, servindo como embasamento fundamental de diversos institutos jurídicos, antes exclusivamente inseridos na seara dos direitos privados.
Assim acontece com a autonomia da vontade, onde a garantia de seu pleno exercício transparece nitidamente por meio das disposições antecipadas de vontade, onde o indivíduo pode estabelecer, com liberdade, como deseja deixar esse mundo e quais as condutas médicas que poderão ou deverão ser tomadas nos casos em que essa autonomia restar desconfigurada.
Para colaborar com a eficácia deste ato, surge o notário, que atua para a consecução dos direitos de cada um e de todos, está a serviço da cidadania, do indivíduo integrado à sociedade, operando atos jurídicos que podem ser considerados como verdadeiros instrumentos constitucionais de atuação do Estado nas relações privadas.
As cláusulas redigidas no instrumento público de diretivas antecipadas de vontade, com a colaboração notarial, referem-se diretamente à autonomia da vontade em relação aos direitos da personalidade, cuja orientação jurídica ao declarante deverá ser pautada pelo princípio da dignidade da pessoa humana e cujo instrumento público deve alcançar validade e eficácia concreta sobre as escolhas da própria vida, compreendendo não um dever de viver, mas o direito de viver com dignidade.
[1]PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. p.59
[2]Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público:I – ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos;II – lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;III – ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.Art. 1.865. Se o testador não souber, ou não puder assinar, o tabelião ou seu substituto legal assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias.Art. 1.866. O indivíduo inteiramente surdo, sabendo ler, lerá o seu testamento, e, se não o souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes as testemunhas.Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento.
[3]Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.§ 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
[4] TARTUCE, Flavio. A questão do testamento vital ou biológico. p.407
[5] TARTUCE, Flavio. A questão do testamento vital ou biológico. p.407
[6]TARTUCE, Flavio. A questão do testamento vital ou biológico., p.416
[7] FERREIRA, Paulo Gaiger. Minuta de escritura pública de diretivas antecipadas de vontade e outras disposições. Disponível em http://blog.26notas.com.br/?p=6536. Acesso em 19/02/2013.
[8]Código de Ética Médica: É vedado ao médico: Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
[9] FERREIRA, Paulo Gaiger. Minuta de escritura pública de diretivas antecipadas de vontade e outras disposições. Disponível em http://blog.26notas.com.br/?p=6536. Acesso em 19/02/2013.
[10] FERREIRA, Paulo Gaiger. Minuta de escritura pública de diretivas antecipadas de vontade e outras disposições. Disponível em http://blog.26notas.com.br/?p=6536. Acesso em 19/02/2013.
PARTE DO ARTIGO PUBLICADO NA INTEGRA AQUI.