PROTESTO DE CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA – STJ
5 de dezembro de 2013DIREITO SUCESSÓRIO: AS VANTAGENS DO TESTAMENTO
12 de dezembro de 2013Apelação Cível n. 2012.040218-4, de Guaramirim
Relatora: Desa. Subst. Denise de Souza Luiz Francoski
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO C/C CANCELAMENTO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO AJUIZADA POR FILHOS DA VENDEDORA CONTRA OS COMPRADORES.
CONTRATO DE COMPRA E VENDA SUPOSTAMENTE REALIZADO PELO DE CUJUS – PAI DOS AUTORES -, A FIM DE TRANSFERIR A PROPRIEDADE DOS ÚNICOS TRÊS IMÓVEIS QUE POSSUÍA À COMPANHEIRA – MÃE DOS AUTORES.
ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA ALIENAÇÃO POR ERRO E SIMULAÇÃO.
ALEGAÇÃO DE QUE A MÃE, NA POSSE DE PROCURAÇÃO PÚBLICA OUTORGADA PELO PAI, EFETUOU APÓS A MORTE DESTE, A VENDA DE TODOS IMÓVEIS DA FAMÍLIA.
ALEGAÇÃO DE QUE O ATO É NULO POR ESTAR VINCULADO À PROCURAÇÃOPÚBLICA OUTORGADA PELO PAI QUANDO ENCONTRAVA-SE HOSPITALIZADO EM ESTADO GRAVÍSSIMO DE SAÚDE, BEM COMO POR ESTAR CORROBORADO EM ATO DE SIMULAÇÃO.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
APELAÇÃO CÍVEL DOS AUTORES PELOS MESMOS FUNDAMENTOS DA EXORDIAL.
SUBSISTÊNCIA.
EXISTÊNCIA DE PROVAS CONCRETAS DA OCORRÊNCIA DE SIMULAÇÃO.
TRANSFERÊNCIA DE TRÊS IMÓVEIS PARA A MÃE DOS AUTORES SUBSTANCIADA EM ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA ONDE O PAI DOS AUTORES ESTARIA REPRESENTADO POR PROCURADOR CONSTITUÍDO ATRAVÉS DE PROCURAÇÃO PARTICULAR.
PERÍCIA JUDICIAL QUE ATESTOU A FALSIDADE DA ASSINATURA DO PAI DOS AUTORES NA REFERIDA PROCURAÇÃO.
SIMULAÇÃO PERPETRADA PELA MÃE DOS AUTORES EM CONJUNTO COM O SUPOSTO PROCURADOR.
POSTERIOR OBTENÇÃO PELA MÃE DOS AUTORES DE PROCURAÇÃO PÚBLICACOM O FITO DE CONVALIDAR O ATO SIMULATÓRIO ANTERIOR.
IMPOSSIBILIDADE.
GENITOR QUE À ÉPOCA DA LAVRATURA DA PROCURAÇÃO PÚBLICA SOFRIA DE CÂNCER TERMINAL.
PROCURAÇÃO PÚBLICA DE VALIDADE QUESTIONÁVEL.
ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA SIMULADA. NULIDADE QUE NÃO É SUSCETÍVEL DE CONFIRMAÇÃO, NEM CONVALESCE COM O TEMPO. EXEGESE DO ART. 169 DO CÓDIGO CIVIL.
POSTERIOR ALIENAÇÃO DOS IMÓVEIS AOS APELADOS.
PROVA CONTUNDENTE DE QUE A MÃE DOS AUTORES DILAPIDOU O PATRIMÔNIO, NÃO REPASSANDO AOS HERDEIROS NECESSÁRIOS SUA QUOTA PARTE DA HERANÇA.
NULIDADE DA COMPRA E VENDA ORIGINÁRIA E DA ESCRITURA PÚBLICA.RETORNO AO STATUS QUO ANTE. IMÓVEL QUE DEVE INTEGRAR NOVAMENTE O PATRIMÔNIO DO DE CUJUS, SENDO REALIZADA A CORRETA DIVISÃO.
APELADOS ADQUIRENTES DE BOA-FÉ. DIREITOS RESGUARDADOS, A TEOR DO § 2º DO ART. 167 DO CÓDIGO CIVIL. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA.
SENTENÇA REFORMADA.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2012.040218-4, da comarca de Guaramirim (1ª Vara), em que são apelantes Debora Maria Gonçalves de Souza e outros, e apelados Clodoaldo Bordin e outros:
A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer e prover o apelo para julgar totalmente procedentes os pleitos vestibulares e, por conseguinte: a) declarar a nulidade dos atos de transferência das propriedades e respectivas escrituras públicas registradas sob os n.s R-3-1.113, R-4-1.143 e R-2-9.560, ressalvados os direitos dos apelados, adquirentes de boa-fé (§ 2º do art. 167 do CC), que deverão ser buscados através de ação própria; b) condenar os requeridos ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a teor do § 4º do art. 20 do CPC.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Carlos Prudêncio, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Raulino Jacó Brüning.
Florianópolis, 19 de novembro de 2013.
Denise de Souza Luiz Francoski
Relatora
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por Débora Maria Gonçalves de Souza, Catia Maria Buzzi, Josemeri Regina Gonçalves, Maristela Teresinha Gonçalves, Sandro Luiz Gonçalves, Israel Gonçalves e Vanderlei Gonçalvescontra sentença que julgou improcedentes os pedidos vestibulares formulados na presente Ação de Nulidade de Ato Jurídico c/c Cancelamento de Registro Imobiliário contra Alvino Gonçalves de Matos, Valdir Tomelin e sua mulher Maria Ladirce Tomelin, Clodoaldo Bordin e Anildo José Soares e sua mulher Delfina Soares.
1.1 Da Inicial
Aduziram os autores, em síntese, que a mãe, Sra. Teresa Fagundes, na posse de procuração pública outorgada pelo pai, Sr. Manoel Alexandre Gonçalves, efetuou, após a morte deste, a venda de todos os bens da família, inclusive dos imóveis localizados na Comarca de Guaramirim, registrados sob as matrículas n.s 1.113, 1.143 e 9.560.
Sustentam que os atos de transferência desses imóveis são nulos de pleno direito por estarem vinculados à tal procuração pública, a qual, segundo os autores, foi outorgada de forma irregular e com induzimento em erro.
Afirmam, ainda, que as escrituras públicas são omissas de formalidades legais e essenciais ao ato em virtude da enfermidade que acometeu o “de cujus”.
Finalmente, externaram seu inconformismo ante a venda dos bens imóveis, face ao prejuízo à expectativa de herança dos herdeiros, nominando especialmente os menores à época da alienação, e requereram a nulidade dos atos jurídicos praticados, bem como das respectivas escrituras.
Anexaram os documentos de fls. 06/26.
1.2 Das Contestações
Anildo José Soares e sua mulher Delfina Soares contestaram o feito (fls. 37/45), sustentando, resumidamente, que compraram da Sra. Teresa Fagundes o imóvel matriculado sob o n. 9.560 do Registro de Imóveis da Comarca de Guaramirim e que a transação foi realizada mediante a observância da forma prescrita em lei. Complementaram que os autores atacam na peça vestibular procuração pública que nenhuma influência teve sobre a venda. Postularam, assim, a improcedência dos pedidos. Anexaram os documentos de fls. 46/51.
Clodoaldo Bordin contestou o feito (fls. 81/93), arguindo, preliminarmente, a inépcia da inicial, vez que o documento controvertido não foi usado para a concretização do negócio jurídico e de que os herdeiros tiveram ciência de todas as negociações. No mérito ponderou, em síntese, que a alienação foi acompanhada pelos herdeiros e obedeceu os preceitos legais, sendo portanto completamente válida. Postulou o acolhimento da preliminar com a extinção do processo sem resolução do mérito ou a improcedência do pedido. Anexou o documento de fl. 94.
Valdir Tomelin e Maria Ladirve Tomelin contestaram o feito (fls. 95/105), sustentando, igualmente, a inépcia da inicial, ao fundamento de que não há nexo causal entre a narração dos fatos constantes da exordial e a conclusão exposta pelos autores. No mérito, aduziram a ausência de vícios hábeis a ensejar a nulidade dos negócios jurídicos, conforme requerido pelos autores. Aduzem que a Sra. Teresa Fagundes havia comprado os imóveis do antigo proprietário Manoel Gonçalves e, por isso, possuía legitimidade para os vender, isso sem nenhuma utilização de procuração. Postularam o acolhimento da preliminar com a extinção do processo sem resolução do mérito ou a improcedência do pedido. Anexaram os documentos de fls. 107/113.
O réu Alvino Gonçalves de Matos, embora citado (fl. 77-verso), não apresentou defesa.
1.3 Do Encadernamento Processual
Houve réplica (fls. 53 e 117/120).
A audiência conciliatória foi inexitosa (fl. 149).
Designada audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas as partes e testemunhas (fls. 213/220, 237/242, 249/250, 296/308 e 373/374), momento que foi determinada a realização de perícia grafotécnica pelo Instituto Geral de Perícias de Florianópolis na procuração particular de fl. 46 outorgada por Manoel Alexandre Gonçalves à Pedro de Borba Filho, com firma reconhecida em 18.10.1988.
Às fls. 226/231 os réus Clodoaldo Bordin, Anildo José Soares e sua esposa Delfina Soares arguiram a ocorrência da prescrição da pretensão inicial, com base no § 9º do art. 178 do Código Civil, tendo os autores apresentado manifestação às fls. 313/313.
Diante da impossibilidade de realização da perícia pelo Instituto Geral de Perícias (fls. 399 e 402), foi nomeado perito do juízo (fl. 407).
Os réus e o juízo apresentaram quesitos (fls. 407, item II e 416). A parte autora embora intimada (fl. 421), resolveu não apresentar quesitos e assistente técnico (fl. 422).
O laudo pericial foi anexado (fls. 439/450).
Advieram alegações finais das partes (fls. 464/465, 477/478, 479/481, 483/487 e 489/493).
1.4 Da Sentença
Ao prestar a tutela jurisdicional (fls. 494/497), o magistrado “a quo” rejeitou as teses de inépcia da inicial e prescrição da pretensão inicial, porém julgou improcedentes os pedidos vestibulares, sob o fundamento de que a procuraçãopública outorgada por Manoel à Teresa é válida e sanou qualquer irregularidade anterior e que a simulação decorrente da transferência dos bens de Teresa para terceiros não restou demonstrada (fl. 496).
Por conseguinte, condenou os autores ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais) por advogado constituído pelo polo passivo.
1.5 Da Apelação Cível
Irresignados, os autores interpuseram recurso de Apelação Cível (fls. 512/515). Em suas razões recursais alegaram que a sentença deve ser reformada pelos motivos já expostos na peça vestibular.
1.7 Das Contrarrazões
Intimados (fl. 519), os réus, apresentaram contrarrazões (fls. 521/525), onde aduziram não assistir razão aos apelantes, pelo que postularam a manutenção integral da sentença.
O réu Alvino Gonçalves de Matos não apresentou contrarrazões por não estar representado por advogado nos autos.
Este é o relatório.
VOTO
2 Do Juízo de Admissibilidade
Conheço do recurso, haja vista que presentes os pressupostos intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo) de admissibilidade.
3 Do Objeto Recursal
Cinge-se o objeto recursal a pedido de reforma integral da sentença para que os pedidos vestibulares sejam julgados totalmente procedentes.
4 Do mérito
Trata-se de Ação de Ação de Nulidade de Ato Jurídico c/c Cancelamento de Registro Imobiliário ajuizada por Débora Maria Gonçalves de Souza, Catia Maria Buzzi, Josemeri Regina Gonçalves, Maristela Teresinha Gonçalves, Sandro Luiz Gonçalves, Israel Gonçalves e Vanderlei Gonçalves contraAlvino Gonçalves de Matos, Valdir Tomelin e sua mulher Maria Ladirce Tomelin, Clodoaldo Bordin e Anildo José Soares e sua mulher Delfina Soares.
Sustentaram, em resumo, que a mãe, Sra. Teresa Fagundes, na posse de procuração pública outorgada pelo pai, Sr. Manoel Alexandre Gonçalves, efetuou, após a morte deste, a venda de todos os imóveis da família, localizados na Comarca de Guaramirim, registrados sob as matrículas 1.113, 1.143 e 9.560 do Registro de Imóveis.
Aduziram, porém, que as referidas alienações são nulas, por estarem vinculadas à procuração pública outorgada pelo Sr. Manoel quando encontrava-se hospitalizado em estado gravíssimo de saúde, ou seja, quando não estava em condições plenas de expressar sua vontade, bem como por estarem corroboradas em atos de simulação.
Ao sentenciar o feito, o magistrado “a quo” julgou improcedentes os pedidos, ao fundamento de que tanto o erro como a simulação não foram vislumbrados no caso em apreço (fls. 496/497).
Contudo, com as devidas vênias, o solucionamento prestado ao litígio não pode assim se perpetuar.
Sobre a configuração da simulação nos negócios jurídicos, prescreve o art. 167 do Código Civil:
“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I- aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II- contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III- os instrumentos particulares forem antedatados ou pós-datados;
§ 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado”.
Extrai-se do citado dispositivo legal que a simulação é uma declaração enganosa de vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado, que pode ser absoluta ou relativa. Na primeira, as partes realizam um negócio jurídico destinado a produzir efeito jurídico algum. Na segunda as partes criam um negócio com finalidade de encobrir outro negócio jurídico que produzirá efeitos proibidos na lei.
Sobre a simulação, ensina Silvio Rodrigues: “a simulação é, na definição de Beviláqua, uma declaração de vontade enganosa, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado” (Curso de Direito Civil, Saraiva, 1999, 29ª ed., v. I, p. 220). Para o jurista, a simulação pode ser inocente quando não trouxer prejuízo a outrem, ou fraudulenta ou maliciosa, quando tiver por escopo lesar terceiros ou o fisco, ou ainda fraudar a lei (Curso de Direito Civil, Saraiva, 1999, 29ª ed., v. I., p. 225).
Na lição de Sílvio de Salvo Venosa, “Simular é fingir, mascarar, camuflar, esconder a realidade. Juridicamente, é a prática de ato ou negócio que esconde a real intenção. A intenção dos simuladores é encoberta mediante disfarce, parecendo externamente negócio que não é espelhado pela vontade dos contraentes” (Direito Civil, Atlas, 2003, 3ª ed., p. 467).
Miguel Maria de Serpa Lopes aponta os pressupostos para a caracterização do negócio simulado: “1º) conformidade das partes contratantes; 2º) o propósito de enganar, ou inocuamente ou em prejuízo de terceiro ou da lei; 3º) desconformidade consciente entre a vontade e a declaração” (Curso de Direito Civil, Freitas Bastos, 2000, 9ª ed., v. 1, pp. 457-8).
Contudo, para que seja reconhecida a simulação de um negócio jurídico e a anulação do ato há que se demonstrar nos autos o preenchimento dos requisitos caracterizadores do instituto, quais sejam: intencionalidade na simulação, acordo entre as partes contratantes em simular um ato e o intuito de enganar terceiros.
Sobre o assunto, colhe-se a lição de Washington de Barros Monteiro:
“A simulação apresenta-se com os característicos seguintes:
a) – em regra, é declaração bilateral de vontade;
b) – é sempre concertada com a outra parte, ou com as pessoas a quem ela se destina;
c) – não corresponde à intenção das partes;
d) – é feita no sentido de iludir terceiros.
[…]
Havendo, porém, intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei, a simulação é maliciosa. Envolvendo esta propósitos lesivos aos direitos ou interesses de outrem, ou objetivando burlar a lei, retira toda a validade ao ato por ela viciado.
Em casos tais, isto é, ‘tendo havido intuito de prejudicar a terceiros, ou infringir preceito de lei, nada poderão alegar, ou requerer os contraentes em juízo quanto à simulação do ato, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiros’ (art. 104).
Nessas condições, se a simulação tem por escopo prejudicar a terceiros, os simuladores nada poderão alegar contra o ato; ninguém será admitido alegar a própria torpeza (nemo de improbitate sua consequitur actionem). Assim também se a simulação visou a infringir preceito legal, a parte nada pode argüir ou requerer em juízo no tocante a ela, de acordo com o mesmo art. 104″. (Curso de Direito Civil, 1. vol.. 25. ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 1985, p. 208 e 212).
Nesse sentido extrai-se da jurisprudência dessa Corte de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM DECLARATÓRIA E PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. RECURSO DAS AUTORAS. ALEGAÇÃO DE QUE OS RÉUS, EM CONLUIO, SIMULARAM O CONTRATO DE COMPRA E VENDA DO IMÓVEL COM O OBJETIVO DE FRAUDAR A PARTILHA DO BEM. PROVA TESTEMUNHAL QUE NADA SOUBE ESCLARECER ACERCA DA COMPRA E VENDA DO IMÓVEL. DOCUMENTOS COLACIONADOS AOS AUTOS QUE NÃO COMPROVAM A SIMULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Para que seja reconhecida a simulação de um negócio jurídico e a anulação do ato, é ônus do autor comprovar nos autos o preenchimento dos requisitos caracterizadores do instituto, quais sejam: intencionalidade na simulação, acordo entre as partes contratantes em simular um ato e o intuito de enganar terceiros. A carência de provas acarreta na improcedência da ação. RECURSO DA RÉ ROSELI. LITIGANTE ASSISTIDA POR DEFENSOR DATIVO. TRABALHO PRESTADO PELO ASSISTENTE JUDICIÁRIO QUE DEVERÁ SER REMUNERADO PELO ESTADO. NECESSIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS POR URHS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Restando comprovado nos autos a atuação de causídico nomeado para auxílio da parte com escassos recursos financeiros, o trabalho prestado deverá ser remunerado pelo Estado, devendo os honorários serem fixados em URH’s. (TJSC, Apelação Cível n. 2013.036826-3, de Blumenau, rel. Des. Saul Steil, j. 15-10-2013).
E, ainda:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DA AUTORA. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ARRAZOADO SUCINTO. CENSURA POR PARTE DA RECORRENTE. Se a sentença conta com arrazoado suficiente a ponto de ser alvo de críticas por parte da recorrente, ela não padece de falta de fundamentação, e não é nula (art. 93, IX, da CF). JULGAMENTO CITRA PETITA. AUSÊNCIA DE CONSIGNAÇÃO EXPRESSA DA INAPLICABILIDADE DE DISPOSITIVO LEGAL. Não é citra petita a sentença que analisa o pedido e a causa de pedir dentro dos limites traçados à inicial, embora tenha deixado de expressamente consignar a inaplicabilidade de determinado dispositivo legal. NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. INCAPACIDADE SUPERVENIENTE DO AGENTE. Não é nulo o negócio jurídico celebrado por pessoa capaz, ainda que tenha, posteriormente, perdido o controle de suas faculdades mentais, se à época da tratativa ela contava com lucidez que a permitia gerir seus atos. SIMULAÇÃO. COMPRA E VENDA. AUSÊNCIA DE PROVA DA INEXISTÊNCIA DE PAGAMENTO. Não há simulação se não comprovada a inexistência de contraprestação pecuniária em contrato de compra e venda, a ponto de caracterizar o negócio jurídico como doação disfarçada. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.020437-5, de São João Batista, rel. Des. Odson Cardoso Filho, j. 10-10-2013).
No caso em apreço, do exame dos elementos probatórios que instruem o feito, vislumbra-se a existência de provas concretas da simulação noticiada pelos apelantes.
Consta das Escrituras Públicas de fls. 23/24 e 26 que o Sr. Manoel Alexandre Gonçalves (pai dos autores), teria alienado em 19.10.1988, à Sra. Teresa Fagundes (sua companheira e mãe dos autores), os únicos três imóveis que possuía, identificados pelas matrículas n.s 1.113, 1.143 e 9.560 e esta, por sua vez, teria os alienado aos apelados.
Consta das referidas Escrituras que a averbação da alienação perfectibilizada pelo Sr. Manoel à Sra. Teresa ocorreu em consonância com Escritura Públicade Compra e Venda lavrada às fls. 181, do livro n.º 143 do Cartório de Registro de Imóveis.
Ao examinar a referida Escritura Pública de Compra e Venda, verifica-se que o Sr. Manoel Alexandre Gonçalves encontrava-se representado no ato pelo suposto procurador Pedro de Borba Filho, “conforme procuração particular arquivada e transcrita em livro próprio deste Cartório” (fl. 51).
Ocorre que por intermédio de perícia judicial efetuada nos presentes autos, restou cabalmente demonstrada a falsidade da assinatura do Sr. Manoel na referida procuração particular, vejamos:
QUESITOS:
1. Do Juízo – fls. 407
II – Posto isto, determino a realização de perícia para que seja esclarecido se a assinatura de fls 46 foi firmada pela mesma pessoa que assinou os documentos de fls. 252 e 283.
RESPOSTA: Os registros gráficos da assinatura de fls. 46 NÃO foram produzidos pelo mesmo autor dos registros gráficos das assinaturas de fls. 252 e 283 dos autos.
[…]
CONCLUÍMOS
Que os registros gráficos da assinatura de MANUEL ALEXANDRE GONÇALVES, no documento de fls. 46 dos autos,
NÃO SÃO AUTÊNTICOS.” (fls. 448 e 450).
Com isso confirma-se que a Sra. Teresa se utilizou de procuração particular supostamente firmada pelo seu companheiro, Sr. Manoel, para simular compra e venda perfectibilizada entre eles (inciso II do § 1º do art. 167 do Código Civil) dos únicos imóveis da família, atitude por si só reprovável pela lei.
Não obstante a tal fato, vislumbra-se que a Sra. Teresa prosseguiu nos atos simulatórios, quando obteve em 10.01.1989, procuração pública junto ao Sr. Manoel com amplos, gerais e ilimitados poderes para gerir os seus bens (fl. 20), visando obviamente convalidar a procuração particular anterior.
Ora, o Sr. Manoel, à época, encontrava-se hospitalizado em estado gravíssimo de saúde (câncer de estômago), tanto que sua assinatura na procuraçãopública teve que ser colhida mediante impressão digital, conforme asseverado pelo Cartorário no próprio documento (fl. 20).
Ressalte-se que a referida enfermidade foi responsável pelo óbito do Sr. Manoel apenas 17 dias depois da lavratura da referida procuração.
E assim, dando continuidade aos atos ilícitos, em 09.05.1989 a Sra. Teresa averbou a transferência dos imóveis para o seu nome e, por conseguinte, os alienou aos apelados sem repassar qualquer quantia aos apelantes, promovendo verdadeira dilapidação do patrimônio dos filhos.
Nesse sentido é a prova oral colhida pelo juízo:
Maristela Terezinha Gonçalves da Luz:
“[…]
Algum tempo depois que seu pai faleceu sua mãe começou a conviver com um rapaz de nome Sandro, o qual era mais novo e não trabalhava, vivendo as suas custas. Nesta época sua mãe vendeu todos os imóveis que estavam em seu nome sem repassar nenhum dinheiro para os filhos. A depoente não participou e não tomou conhecimento destas vendas realizadas, sendo que quando ficou sabendo os imóveis já haviam sido vendidos.
[…]” (fl. 214).
Cátia Maria Buzzi:
“[…]
Depois do falecimento do seu pai sua mãe foi residir na cidade de Joinville, e vendeu os imóveis que eram de seu pai. Não sabe dizer como sua mãe gastou o dinheiro, porém esta não deu nenhum dinheiro para os filhos, e também não tinha nada quando faleceu. Pode dizer apenas que sua mãe gostava bastante de fazer festa, e que estava namorando um homem na cidade de Joinville. Ao que a depoente tem conhecimento nenhum dos irãos recebeu a sua parte da herança.
[…]” (fl. 216).
Vanderlei Gonçalves:
“[…]
O pai do depoente, Manoel Alexandre Gonçalves, era proprietário de três ou quatro imóveis quando era vivo, sendo que veio a falecer de câncer em 1989, depois de permanecer doente por aproximadamente 6 meses. Esclareceu que não foi feito inventário nos referidos imóveis, e quando tomou conhecimento sua mãe, Tereza Fagundes, já havia vendido todos os imóveis para terceiros. Não tomou conhecimento destas vendas por ocasião das negociações, bem como não participou de nenhuma das negociações. Não sabe dizer o que sua mãe fez com o dinheiro, mas pode precisar que nenhum dos filhos recebeu o dinheiro da venda. Depois da morte de seu pai sua mãe comprou uma casa em Joinville, porém não sabe dizer o que foi feito desta casa, já que não foi inventariada, e nenhum filho recebeu herança de sua mãe, pelo menos ao que o depoente tem conhecimento.
[…]’ (fl. 218).
Israel Gonçalves:
“[…]
O depoente pode afirmar que seu pai era proprietário de 3 ou 4 imóveis até o ano de 1989, quando adoeceu.
[…]
Na época que seu pai estava doente os imóveis foram passados para o nome de sua mãe, porém não sabe dizer como isso foi feito e nem porque, já que na época estava viajando a trabalho. Mas pode afirmar com certeza que não foi feito o inventário dos bens de seu pai e que nenhum herdeiro recebeu sua herança. O único filho que recebeu alguma coisa foi Daniela, que ao final recebeu uma casa no bairro Itinga de Joinville. […] Não sabe precisar se sua mãe chegou a receber o dinheiro pela venda dos imóveis, e se recebeu não sabe dizer como o dinheiro foi gasto. Todavia, sabe afirmar que na época sua mãe tinha um namorado mais novo na cidade de Joinville.
[…]” (239).
Ocorre que a procuração pública colhida pela Sra. Teresa quando o Sr. Manoel encontrava-se gravemente enfermo não se presta ao fim almejado, qual seja, convalidar a escritura pública de compra e venda simulada, mormente porque o ato nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.
O art. 169 do Código Civil é expresso nesse sentido:
Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.
A transferência dos únicos imóveis da família pelo Sr. Manoel exclusivamente à Sra. Teresa é ato nulo por sua essência, seja pela simulação amplamente comprovada nos autos, seja pela impossibilidade da transferência total dos imóveis do “de cujus” (pai dos apelantes) à Sra. Teresa (mãe dos autores), a teor do disposto no art. 1.179 do Código Civil de 1916 (atual art. 549 do Código Civil), que veda a disposição da legítima quando o proprietário possui herdeiros necessários, como é o caso.
Nesse sentido, corrobora a jurisprudência desta Corte de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL. SIMULAÇÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA REALIZADO PELO DE CUJUS COM PESSOA INTERPOSTA, A FIM DE TRANSFERIR A PROPRIEDADE DO BEM À COMPANHEIRA. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. PREJUDICIAL DE MÉRITO. DECADÊNCIA. ALEGADA A PERDA DO DIREITO DOS HERDEIROS, COM FULCRO NO ART. 178 DO CÓDIGO CIVIL. TESE AFASTADA. EXEGESE DO ART. 167, CAPUT, C/C ART. 205 DO DIPLOMA CIVIL. DEMANDA PROPOSTA ANTES DE TRANSCORRIDO O PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL. TESE AFASTADA. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO AQUISITIVA COMO TESE DE DEFESA. POSSIBILIDADE. SÚMULA 237 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.242, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS EXPRESSOS NA NORMA CIVIL. INEXISTÊNCIA DE JUSTO TÍTULO E, EM CONSEQUÊNCIA DE BOA-FÉ. SIMULAÇÃO QUE TORNA NULA A ESCRITURA PÚBLICA, NÃO HAVENDO CONVALIDAÇÃO. TESE DE USUCAPIÃO RECHAÇADA. Se o negócio jurídico encontra-se na íntegra contaminado pela nulidade, a escritura não se mostra como justo título hábil. E, por decorrência lógica, ausente também o requisito da boa-fé, porquanto a apelante agiu de má-fé ao simular o negócio jurídico, com o intuito de arredar os direitos hereditários perquiridos pelos apelados. SIMULAÇÃO RELATIVA. ART. 167, CAPUT, SEGUNDA PARTE, DO CÓDIGO CIVIL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL SIMULADA MEDIANTE PESSOA INTERPOSTA, PARA OCULTAR ATO DE DOAÇÃO DO DE CUJUS À COMPANHEIRA. PREJUÍZO AOS HERDEIROS CORROBORADO. INTENÇÃO DE FRAUDAR A LEI. Configura-se a simulação relativa, em virtude da realização de compra e venda através de pessoa interposta, havendo uma sobreposição em relação a outro negócio jurídico, o qual se fosse efetuado diretamente, estaria eivado de nulidade, conquanto decorrente de fraude à lei. Inegável, assim, que a doação dissimulada pela compra e venda com o auxílio de terceiro – da qual resultou a doação à companheira diante da dissimulação – causou prejuízos aos herdeiros necessários. […] INCIDÊNCIA DO ART. 169 DO CÓDIGO CIVIL. SIMULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO COMPROVADA. NULIDADE DA COMPRA E VENDA E DA ESCRITURA PÚBLICA. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. IMÓVEL QUE DEVE INTEGRAR NOVAMENTE O PATRIMÔNIO DO DE CUJUS, SENDO REALIZADA A CORRETA DIVISÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2013.027732-6, de Xaxim, rel. Des. Eduardo Mattos Gallo Júnior, j. 13-08-2013).
Destarte, entende-se que a sentença deve ser reformada, conforme postulado no recurso, ressalvados os direitos dos apelados, adquirentes de boa-fé (§ 2º do art. 167 do CC), que deverão ser buscados através de ação própria.
5 Da Sucumbência
Em razão do resultado apresentado no voto, inverto o ônus sucumbencial, redimencionando o valor dos honorários advocatícios, em atenção ao serviço prestado nos autos pelo procurador dos autores.
6 Do Dispositivo
Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento e provimento do apelo para julgar totalmente procedentes os pleitos vestibulares e, por conseguinte:
a) declarar a nulidade dos atos de transferência das propriedades e respectivas escrituras públicas registradas sob os n.s R-3-1.113, R-4-1.143 e R-2-9.560, ressalvados os direitos dos apelados, adquirentes de boa-fé (§ 2º do art. 167 do CC), que deverão ser buscados através de ação própria;
b) condenar os requeridos ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a teor do § 4º do art. 20 do CPC.
É o voto.
Gabinete Des. Denise de Souza Luiz Francoski
Fonte: www.tjsc.jus.br